Tradições

Ritos de morte
Alceu Maynard Araújo

Em São Luiz do Paraitinga, o senhor Benedito de Souza Pinto, oficial de justiça há 33 anos, é o capelão[1] mais procurado. A fim de que realizássemos a nossa pesquisa, convidou-nos para assistir um enterro. Durante o percurso que fizemos, cerca de légua e meia em sua companhia, contou-nos que antigamente era costume no lugar vestir os defuntos com o hábito de São Francisco. Por isso, em qualquer loja essa vestimenta era encontrada à venda. Sempre preferiram a fazenda "metim" para os hábitos. Hoje, somente os irmãos da Ordem Terceira têm esse privilégio. Os demais fazem mortalha.
Não sendo repentina a morte, e pressentindo o moribundo sua chegada, pede a um de seus familiares que chame determinado capelão, seu amigo, para ajudá-lo a morrer.
Nessa ocasião, havia morrido num bairro próximo, o chefe de uma família. Era um sitiante de algum recurso. As janelas da casa estavam abertas. "Quando uma pessoa morre, abrem-se todas as portas e janelas, só as fechando após o enterro".
Quando se percebe que o doente está agonizando, colocam-lhe uma vela acesa na mão e rezam o Ofício da Agonia e a Ladainha de Todos os Santos. Depois que morre, rezam o De profundis e o Senhor amado.
O Senhor amado é uma reza cantada; costuma cantá-la "repartida". Repartir uma reza significa que o capelão e o ajudante cantarão um trecho a duas vozes e, os demais presentes, mulheres e homens, outro a duas ou três vezes, alternando.
Na roça, logo que uma pessoa morre vem um "próprio" até a cidade buscar a mortalha. É o primeiro a sair. Logo a seguir, sai um segundo para cuidar do enterro, atestado de óbito etc. Sai ainda, uma terceira pessoa para avisar do falecimento até à distância que puder, convidando as pessoas para o enterro - subentendendo-se que também estão convidadas para o velório. São sempre três pessoas escolhidas para estes misteres. "Precisa ser três pessoas e não mais".
Excepcionalmente, sai uma quarta pessoa, quando o falecido não tem recursos e em casa não há uma rede. Essa pessoa sai para tomá-la emprestada, ficando responsável pela sua devolução.
Processa-se a seguir a lavagem do cadáver. Colocam-no na água com creolina ou pinga, conforme a doença. Às vezes, para a lavagem do defunto, precisam chamar alguém, um amigo ou parente do falecido; "quando eu morrer, quero que você venha me lavar", e esperam por essa pessoa até chegar, a fim de que se cumpra o pedido.
Vestem o defunto, amarram o queixo com um lenço e nos pés uma faixa. "Não presta enterrar defunto amarrado"; por isso quando vão colocá-lo na rede retiram todas as ataduras.
São correntes as seguintes crendices: "quando o defunto está mole durante muito tempo, é porque logo outra pessoa da família vai morrer", e "quando o defunto está duro, deve-se pedir-lhe que amoleça, e assim poderão vesti-lo". Falam com o defunto: "amoleça o braço", tal qual estivessem falando com um vivo. Quando fazem mortalha, demoram um pouco para vestir. Uma vez vestido, cobrem-no com um lençol e depois de colocá-lo na cama ou esteira com quatro velas em redor, rezam o Ofício de São Gregório. Ao lado da cama fazem um pequeno altar. Uma toalha branca sobre um caixão, um crucifixo e uma imagem. Às vezes, colocam os santos da devoção do falecido. Neste funeral, observamos a imagem de Nossa Senhora Aparecida e duas velas no altar.
As velas são acesas só depois que trazem a mortalha, e a reza somente tem início após terem colocado o corpo na sala, na esteira ou cama. Cantam todas as rezas conhecidas: são as "Excelências", isto é, doze vezes a mesma coisa.
O capelão canta:

Vamo cantá uma incelência
Do meu São Francisco
Que lhe dê seu passaporte
Nossa Mãe Maria Santíssima
E o coro responde:
Passaporte eu já tenho
Falta só absolvição
Pra esta alma subir pra glória
Com a Virgem da Conceição

De novo o capelão canta:

Duas incelência Do meu São Francisco etc.

Alternando, coro e capelão, até cantar as doze excelências "porque são doze apóstolos". Durante a noite cantam o tempo todo. Formam dois grupos de pessoas que se revezam; enquanto um canta, outro descansa e come. Á noite, oferecem café e comida aos presentes, uma pinguinha para afinar a voz. Noutro grupo que revezou o capelão cantou:

Uma incelência
Da Senhora do Rosário
Que lhe deu manto
Está lá no sacrário

E o coro respondeu:

Sacrário tá aberto
Saiu o Senhor fora
Acompanhe esta alma
Que vai para a glória

Cantam as doze excelências. Outro canto recolhido:

São Pedro nos abre a porta
Pra este corpo entrar
Pra fazer sua grandeza
Pra sua Pátria saudar

Os amigos, vizinhos e parentes que chegam para o velório, procuram prestar a derradeira homenagem ao morto com suas rezas. Foi anotada esta incelência da Senhora da Agonia: O capelão canta:

Vamos cantar uma incelência
Da Senhora da Agonia
Os anjos lá no céu
Estão cantando de alegria

Os guardadores, ajoelhados, cantam em coro, repetindo doze vezes, até que o capelão tenha cantado todas as excelências:

As almas santas benditas
Lá no céu estão esperando
As doze incelências
Que estamos rezando

Joaquim Honório, curandeiro e capelão respeitado, que ajudou no velório, "puxa a reza de São José":

Eu queria ser devoto
De meu glorioso São José
Na hora de minha morte
Dou no demônio com o pé

O coro:

O meu corpo faz pecado
Minh′alma que culpa tem
Minh′alma vai para o céu

Se meu corpo castigou bem O defunto fica exposto a noite toda. Ao amanhecer, colocam-no na rede. Para tal, vão ao mato e cortam uma vara de tacuruçu e amarram a rede embira. "Se defunto estiver muito pesado, deve-se surrá-lo com uma vara, para ficar mais leve".

Ao clarear do dia, cantam como despedida do morto à família, e neste canto tomam parte todos os presentes. Quando cantam, cada canto é dedicado a um dos familiares, esposa, filhos e demais parentes. O capelão canta:

Vem a barra do dia
Vem a Virgem Maria
Vem o anjo Atanásio (era o nome do defunto)
Para a sua companhia

Os demais presentes respondem este canto, citando o parente que se despede. A primeira pessoa foi a esposa. Cantaram:

Despeça de sua esposa
Até o dia do Juízo
Para te encontrar
Na porta do Paraíso

O decujo tinha ainda pai e o segundo verso foi respondido assim:

Despeça de seu pai
Até o dia do Juízo etc.

Continuam despedindo-se dos filhos, noras, genros e netos.
Não se deve enterrar com ouro. Tiraram, então, a dentadura do defunto porque tinha ouro. Uma pessoa foi ao fogão, colocou o cabo de uma colher no fogo, para que a dentadura saísse logo. "Quando avermelhar o cabo, a dentadura sai na mão de quem estiver tentando tirá-la".
A distância a ser percorrida é grande, por isso, aos que deveriam levar o corpo, foi oferecido um almoço reforçado, às 6:30 da manhã.
Na hora da saída, rezam a Bendita Eucaristia. Dizem que é "a reza mais forte que existe".
Feita a despedida, entre beijos e choros, o corpo sai. Uma pessoa varre a casa e atira o cisco bem longe, resto de flores, de poucas flores que enfeitaram o morto. As mulheres ficam cantando até o enterro desaparecer de vista na curva da estrada.
A rede é carregada por duas pessoas, que andam em marcha quase acelerada, fazendo um movimento com o corpo ao qual dão o nome de "galeio"; movimento que dizem eles ajudar a diminuir o peso.
De tempos em tempos, revezam os carregadores; estes tiram os chapéus quando colocam o varal da rede no ombro. O que vai na frente coloca-o no ombro esquerdo e o que vai atrás, no ombro direito, facilitando, assim, o "galeio do corpo". Os pés do defunto estão colocados para a frente. "Os que saíram de casa devem também entrar com ele no cemitério", é uma praxe que fazem questão de observar.
No trajeto, vão rezando, às vezes, a novena das almas. Antes de seguir para o cemitério passam pela igreja a fim de fazer a recomendação de "corpo presente". Ao chegar ao cemitério, rezam o Senhor amado, tiram o corpo da rede, o encarregado fica com ela, lançam envolto num lençol os restos mortais do senhor Atanásio. Cada um dos presentes apanha um punhado de terra e atira dentro da cova dizendo: "a terra lhe seja leve". Mesmo que estejam cansados, são eles que enchem a cova de terra. Bebem um pouco de pinga, como preventivo. Saindo do cemitério reúnem-se numa venda ou na casa de um parente do morto que more na cidade e todos bebem um "bom trago de pinga, pra rebater qualquer outro mal"; não fazem isso com o intuito de embriagar-se. A seguir, um bom café e voltam para a roça.
Quando morre uma pessoa, toca o sino da igreja matriz. Se é um "anjinho" que vem para a recomendação, é um toque festivo; se é adulto, dobra a finados. Se é homem, começa o sino grande, de som grave, e, se mulher, é o pequeno de som agudo que toca; porém, tanto para um como para outro, os dois sinos finalizam tocando, simultaneamente, numa só pancada.
Na casa onde faleceu a pessoa, fazem uma novena que é feita à noite e dirigida por um capelão. Aos participantes oferecem um café. Se o casal era novo e a viúva tiver que voltar para a casa dos pais, ela espera até terminar a novena. Para a novena faz-se um altar e reza-se um versículo por dia.

Quando é criança que morre fazem guarda, mas não é costume rezar, às vezes cantam:
Uma barquinha de ouro
Um rosário de cordão
Seu filho chora no peito
Sua mãe no coração
Cantam até doze barquinhas. Pode-se botar nisto a influência das doze excelências.

1. Capelão é o dirigente de uma reza de roça. Há muitos capelães. São homens que se especializaram em dirigir rezas, quer ofícios fúnebres ou em rezas de dias festivos. É conhecedor de um grande número de orações e, geralmente, é o curandeiro, o benzedor. Suas rezas curam certas doenças, quebranto, mau-olhado, dor de dentes, erisipela, picada de cobra, caxumba etc. Quando uma senhora se especializa em dirigir rezas e curar, chamam-na benzedeira. A benzedeira, além das curas que pratica com suas rezas, é a prática, isto é, a parteira. Assiste a todas as parturientes da região e faz a família observar todas as proibições e tabus por ela conhecidos e relacionados com o parto. Tanto o capelão como a benzedeira são os que maior número de compadres têm no bairro onde residem. (Araújo, Alceu Maynard. "Ritos de morte". Correio Paulistano. São Paulo, 17 de abril de 1949).



Ontem, hoje e amanhã
Mário Melo

Numa rápida leitura dum trabalho folclórico da República de São Domingos, onde a população de mulatos, em virtude da proximidade de Haiti, é numerosa encontrei uma série de superstições, algumas semelhantes às nossas. Por exemplo, em tradução quase livre:
Uivo de cachorro, nas proximidades de casa onde haja enfermo, é sinal de morte.
Santo de coruja próximo, ou repouso num telhado é sinal de morte dum membro da família.
Quando touro ou vaca muge ao entrar numa cidade, é certa a morte de pessoa de importância.
Quando em cerimônia de casamento se apaga na mão de alguém uma vela, é sinal de morte próxima de quem a sustinha.
Se uma galinha canta como galo, ocorrerá alguma desgraça ao dono.
Quando a palma da mão direita coça, é dinheiro que há de vir. Na mão esquerda, ao contrário.
Quando caranguejos formam grupos fora d′água, é sinal de chuva.
Quem dorme com os pés para a frente da casa atrai a morte.
Comerciante que vende fiado pela manhã passará o resto do dia em dificuldade com os clientes.
Casal que tem compromisso de casamento não deve fazer presente de objeto perfurante, sob pena de ser roto o pacto.
De quem bebe café em pé se baralham os planos.
Dá má sorte ir a bodas vestido de preto.
Abrir chapéu de sol dentro de casa atrai desgraça.
Brotinho que, vendo um padre, na rua, não cobre a cara com as mãos, fica no caritó.
Quem se banha em rio, na Quinta-feira Santa, ou morrerá afogado, ou virará peixe.
Arroz semeado na Sexta-feira Santa não grela.
Ordenhar na Sexta-feira Santa faz o leite virar sangue.
É calamitoso casar na terça-feira, na sexta-feira ou no mês de novembro. Na Espanha se diz, En Martes ni te cases ni te embarques.
E faço ponto para doutra vez continuar.
(Melo, Mário. "Ontem, hoje e amanhã". Folha da Manhã. Recife, 10 de março de 1951)



O culto aos mortos
Adelino Brandão

"No sertão... o culto aos mortos é impressionador" (...) "Quem vê a família sertaneja, ao cair da noite, ante o oratório tosco ou registro paupérrimo, à meia-luz das candeias de azeite, orando pelas almas dos mortos queridos, ou procurando alento à vida tormentosa, encanta-se." (Os sertões, Euclides da Cunha)
Esse é um aspecto da vida tradicional de todas as sociedades, registrado em todos os folclores: a crença na sobrevivência da alma, reconhecida e tornada plástica, nas cerimônias de culto aos mortos, acusadas em todas as culturas, desde a pré-história. Nela se fundamentam não só algumas religiões, como um sem número de supertições, envolvendo "fantasmas" e "alma-de-outro-mundo", ou lendas sobre pessoas que morreram e voltaram à Terra, como "alma-penada" para purgar os pecados. Tais crenças, diz Fustel de Coulanges, existentes desde as mais remotas idades, deram lugar a normas de conduta, que já existiam "muito antes da existência dos filósofos"... "E estas crenças continuam nos ritos fúnebres sobreviventes."
Desses ritos, sem dúvida o de maior importância é o que se relaciona com o enterro dos mortos. O sertanejo jamais deixava seus mortos insepultos: tampouco privado de oferendas e orações. "Nos lugares remotos, longe dos povoados, inhuman-nos à beira das estradas, para que não fiquem de todos em abandono, para que os rodeie sempre as preces dos viajantes, para que nos ângulos da cruz deponham estes, sempre, uma flor, um ramo, uma recordação fugaz mas renovada sempre. E o vaqueiro que segue arrebatadamente, estaca, prestes o cavalo, ante o humilde monumento - uma cruz sobre as pedras arrumadas - e, a cabeça descoberta, passa vagaroso, rezando pela salvação de quem ele nunca viu, talvez, talvez um inimigo" (id. ibid.).
Deixar os mortos em abandono é também uma falta de piedade, pois implica em castigar-lhe a alma. Nas crenças greco-romanas, por exemplo, admitia-se que a morte era seguida por um estado de repouso e quietude, com a passagem do corpo e da alma, juntos, para o pultos, o que lhes acarretaria sofrimentos eternos. Enquanto o cadáver não fosse enterrado, não terminaria o padecimento... É clássico o episódio de Antígona, que arriscou a própria vida, para dar sepultura ao irmão, Polínice.
Em Canudos, após o combate do Cambaio, os jagunços volveram ao campo de luta e, em procissão. "carregando aos ombros em toscos pálios de giraus roliços, amarrados com cipó, os cadáveres dos mártires da fé". (...) "Gastaram o dia e a noite nessa missão", a que se dedicou a população inteira, "esquadrinhando todos os dédalos resgatados entre as pedras, todas as anfratuosidades, e todos os algares fundos, e todas as taliscas apertadas". (Os sertões)

Muitos lutadores, ao baquearem pelas ladeiras em resvalos, tinham caído em grotas e barrocais, outros, mal seguros pelas arestas pontiagudas das rochas balouçavam-se sobre o abismo. Colhiam-nos os companheiros, no meio de mil ginásticas e sacrifícios, "descendo as grotas profundas e alando-se aos vértices dos fraguedos abruptos"... (Os sertões).
Deixavam de recolher apenas os cadáveres aos quais os soldados haviam deitado fogo. Em contraposição, o cadáver do inimigo era deixado ao relento. O jagunço não enterrava os corpos dos soldados mortos. Castigava-os, duplamente, no corpo e na alma; como os primitivos gregos. Vingança terrível, cujas raízes F. Coulanges coloca nas culturas mais antigas. A crença tradicional é que a alma não abandona logo o corpo, após a morte deste, mas fica por perto, rondando o lugar ou a antiga morada corpórea.
No sertão, vingaram-se os jagunços , espetando o cadáver do coronel Tamarindo num galho seco de angico, onde ficou por longo tempo, até ser resgatado pelas tropas, três meses depois, reduzido a esqueleto.
Costumavam, ainda, os jagunços deceparem a cabeça do adversário, espetando-a em postes, ao longo das estradas, onde ficavam ao léu. Prática que, nas cidades antigas, era considerada a pena máxima para certos crimes, infamantes. Assim foi feito com o Tiradentes, que após enforcado, foi esquartejado, e teve sua cabeça espetada no alto de um poste, a caminho das Gerais, como numa taba de selvagens.
Era milenar tradição:
"Nas cidades antigas, as leis punem os grande culpados com o castigo sempre considerado como terrível: a privação da sepultura; punia-se, assim, a própria alma, ao inflingir-se-lhe castigo quase eterno... Toda essa antigüidade se persuade de que, sem sepultura, a alma vive desgraçada".



Enterro do anjo

Se, para o sertanejo, o morto é sempre um "bem aventurado", esta certeza mais se firma, em se tratando de uma criança. Por isso mesmo "...o falecimento de uma criança é um dia de festa. Ressoam as violas na cabana dos pobres pais, jubilosos entre lágrimas; referve o samba turbulento; vibra nos ares, fortes, as coplas dos desafios; enquanto a uma banda, entre duas velas de carnaúba, cercado de flores, o anjinho exposto espelha, no último sorriso paralisado, a felicidade suprema da volta para os céus, para a felicidade eterna." (Os sertões)
O termo "anjinho", pelo qual se designam as crianças falecidas até os seis ou sete anos, é generalizado não só no Brasil, mas na Espanha, em Portugal e nos países da América Latina (angelito). Aqui, como lá, o falecimento de um inocente é também motivo de festas, no meio do povo rústico, das zonas rurais, como no sertão. (Brandão, Adelino. Euclides e o folclore.[edição do autor])



Medicina popular
José Maria Tenório Rocha

De origem portuguesa, ou européia, com contribuições do africano e larga origem ameríndia, a medicina popular, apesar de todo avanço farmacológico, ainda é bastante empregada em Alagoas.
Existem três remédios cujas virtudes medicinais foram descobertas em Alagoas:
O açúcar para estancar hemorragia. Coloca-se açúcar no algodão e em seguida põe-se em cima do ferimento, ficando sarado. Como Alagoas é um dos estados que mais produz açúcar e como o remédio citado não foi registrado por nenhum folclorista, talvez seja alagoana a prática.
O uso do amendoim, empregado para os casos de urticária, ou sangue-novo, como é chamado popularmente. O amendoim funciona como antialérgico. A genitora do mestre Téo Brandão usou uma espécie de leite de amendoim para ingerir e o bagaço foi passado no corpo e dentro de dez minutos tinha desaparecido completamente a urticária.
O terceiro remédio, também usado em outras partes do Brasil, mas merece registro aqui, porque foi estudado por uma professora casada com um alagoano. Ela chegou a isolar as substâncias antigliceriantes da entrecasca do cajueiro vermelho. Existem pessoas em Alagoas que controlam o diabete com o chá de cajueiro.
Lages Filho, em A medicina popular em Alagoas, cita, para cura de doença dos olhos, o pó feito do casco do sururu; e, como só existe sururu em Alagoas, pensamos ser este remédio alagoano, mas, o livro Anchora medicinal para conservar a vida com saúde, escrito pelo doutor Francisco da Fonseca Henriquez, publicado em 1721, pelo médico do sereníssimo rei de Portugal, dom João VI, está citado: "cinza dos mexilhões lavada serve para as caligens e névoa dos olhos".
Otávio Brandão estudou a Flora medicinal Alagoana e parte de seu trabalho foi transcrita no Boletim alagoano de folclore, do qual citamos:
Vassoura-de-botão: Expectorante.
Mata-pasto: Usada contra impaludismo e desarranjos uterinos.
Manjerioba: Empregada para hepatite.
Malva-branca: malvácea. Emoliente.
Meladinha: labiada. Para rabugem de cachorro.
Cansanção: O suco da medula é excelente para inflamação dos olhos.
Cipó-chumbo: convolvuláceas, preconizada como expectorante.
Coroa-de-frade: diurético. Não confundir com cordão-de-fadre.
Angelim: Contra lombrigas.
Folha-de-urubu: para os tecidos chagados.
Almecegueira: terebintácea. Dores de cabeça.
Samambaia: Usada para os estados febris.
Erva calor: Preconizada contra sífilis.
(Rocha, José Maria Tenório. Folclore brasileiro: Alagoas. Rio de Janeiro, Funarte, 1977)